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sábado, 6 de março de 2010

As razões do cárcere de Arruda
ÉPOCA obtém os depoimentos que reforçaram a decisão do STF de manter o governador na cadeia e mostram como ele usou a polícia de Brasília para atrapalhar as investigações
Andrei Meireles e Marcelo Rocha
Dida Sampaio
O HÓSPEDE
O governador José Roberto Arruda na sala da PF onde esteve preso, em Brasília. O STF entendeu que ele tentou atrapalhar as investigações

Durante o julgamento do habeas corpus em favor do governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, na semana passada, no Supremo Tribunal Federal, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, defendeu a manutenção da prisão de Arruda. Para reforçar o argumento de que Arruda tentou atrapalhar as investigações contra o suposto esquema de corrupção que dominava o Distrito Federal, Deborah fez uma revelação. Ela afirmou que, após a prisão dele, policiais civis disseram ao Ministério Público que Arruda teria tentado interferir em investigações policiais que poderiam atingi-lo, assim como seus aliados. Ao final do julgamento, na noite da quinta-feira, o STF rejeitou o pedido da defesa por 9 votos a 1 e decidiu manter Arruda preso por ter tentado obstruir o trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público.

ÉPOCA teve acesso aos depoimentos citados por Deborah. O trabalho do Ministério Público do Distrito Federal começou em janeiro, quando ÉPOCA divulgou com exclusividade os documentos apreendidos na Operação Caixa de Pandora, uma investigação conjunta da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal sobre o esquema que seria comandado por Arruda. Em meio ao material, estava um papel intitulado “Anotações Pertinentes”, encontrado na casa de Domingos Lamoglia, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Distrito Federal e assessor mais próximo de Arruda nos últimos 20 anos. É um relato apócrifo, escrito no ano passado, a respeito de investigações da Polícia Civil do Distrito Federal sobre supostos esquemas de corrupção no governo de Brasília. O Ministério Público abriu uma investigação para apurar se informações sigilosas de inquéritos policiais estariam sendo repassadas a Arruda.

Os depoimentos obtidos por ÉPOCA revelam como Arruda tentou interferir nas principais investigações sobre corrupção em Brasília. O delegado Celso Ferro, que chefiou a inteligência policial entre 2001 e 2009, confessou ser o autor do documento “Anotações Pertinentes”, achado na casa de Lamoglia. Ferro disse que, depois de se aposentar em março do ano passado, foi contratado por Arruda como “consultor de inteligência” para “informá-lo sobre fatos que poderiam comprometer sua imagem em vista da reeleição em 2010, bem como informá-lo sobre os passos de seus opositores”. Segundo os investigadores, a missão de Ferro era vazar informações sigilosas para Arruda e espionar seus adversários. Celso Ferro negou a ÉPOCA que tivesse esse papel. Ele disse que escreveu no documento “Anotações Pertinentes” apenas para relembrar Arruda de temas discutidos em reuniões.

Em outro depoimento, o delegado Cícero Monteiro, que sucedeu Ferro na chefia da inteligência policial, disse que Arruda, em junho de 2009, convocou a cúpula da Secretaria de Segurança do Distrito Federal para uma reunião na residência oficial em Águas Claras. Segundo Monteiro, Arruda pediu apoio da polícia contra a oposição e cobrou informações sobre inquéritos policiais que estavam sob segredo de Justiça. Em seguida, Arruda teria sido incisivo: “Quero saber se o Toledo está sendo investigado”, disse. Trata-se de Marcelo Toledo, policial aposentado investigado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro na Operação Tucunaré. Os chefes da polícia desconversaram. De onde eles estavam, podiam ver, através de uma porta de vidro, Marcelo Toledo aguardando o desfecho da conversa no jardim. Toledo é apontado em investigações como o responsável por recolher propina em nome do ex-vice-governador Paulo Octávio. Em outro depoimento, o delegado Marco Aurélio de Souza, diretor da Divisão de Repressão a Crimes contra a Administração Pública, afirmou que Marcelo Toledo “havia caído em algumas interceptações telefônicas na Operação Tucunaré”. Por causa desta tentativa de interferência, a Operação Tucunaré passou para a alçada da Polícia Federal. Marco Aurélio também faz outra referência ao ex-vice-governador Paulo Octávio em seu depoimento. Ele afirmou ao Ministério Público que sua divisão era responsável pela Operação Tellus, que investigava atos de subsecretários da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, subordinados a Paulo Octávio. Um dos principais programas da Secretaria, o PRO-DF, concede descontos de até 90% no preço dos terrenos vendidos a empresas. De acordo com o que disse o delator Durval Barbosa aos investigadores é nesse programa que ocorre um dos maiores faturamentos do esquema de corrupção em Brasília.

Outro assessor de Arruda aparecia nas investigações da polícia. O então secretário de Comunicação Welligton Moraes está no documento “Anotações Pertinentes”, feito por Celso Ferro. Moraes aparece como investigado pela polícia por uma suposta fraude em uma licitação de contrato de publicidade da Companhia Energética de Brasília (CEB). O delegado Marco Aurélio de Souza, que também prestou depoimento ao Ministério Público, confirma que a empresa sob suspeita venceu a licitação da CEB. Há mais. Segundo Marco Aurélio, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão ligado ao Ministério da Fazenda encarregado de rastrear lavagem de dinheiro, movimentações financeiras suspeitas do exterior para uma empresa da qual Moraes é sócio. A empresa é sediada no Rio Grande do Norte.

Os depoimentos ajudaram a corroborar a convicção dos ministros do STF de que Arruda fez de tudo para evitar a descoberta do esquema de corrupção em Brasília. Ao examinar o caso, os ministros se convenceram de que Arruda teria usado intermediários para tentar subornar o jornalista Édson Sombra com R$ 1 milhão. O objetivo seria convencer Sombra a desqualificar Durval Barbosa, o ex-secretário de Arruda que gravou e divulgou os vídeos comprometedores. “Dói na alma e no coração ver um governador sair direto do Palácio para a cadeia. Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas”, disse o ministro Ayres Britto.

Com a decisão, o STF mostra que acusados de corrupção podem tentar escapar da prisão usando os fartos recursos legais disponíveis. Mas nunca tentando obstruir o trabalho da Justiça. Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que os governadores têm de ser responsáveis por seu atos. “Eles devem se sujeitar às consequências jurídicas de seus comportamentos”, disse. “Comportamentos motivados por razões obscuras, ou por interesses escusos, são incompatíveis com a coisa pública.”

Confira abaixo trechos dos depoimentos a que ÉPOCA teve acesso:

1) Anotações pertinentes
Documento encontrado na casa de Domingos Lamoglia, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Distrito Federal e assessor mais próximo de Arruda nos últimos 20 anos, durante a Operação Caixa de Pandora.

  Reprodução
É um relato de investigação da Polícia Civil sobre supostos esquemas de corrupção no governo de Brasília.


Clique na imagem e confira o documento


2) Celso Ferro
O delegado Celso Ferro chefiou a inteligência da Polícia Civil do Distrito Federal entre 2001 e 2009. Em março do ano passado, o policial se aposentou e passou a prestar consultoria em inteligência e segurança.

  Reprodução
Em depoimento ao Ministério Público, Celso Ferro confessou ser o autor do documento “Anotações Pertinentes” e afirma ter sido procurado por Arruda, que manifestou interesse em contratar seus serviços de consultoria visando as eleições de 2010


3) Cícero Monteiro
O delegado Cícero Monteiro sucedeu Celso Ferro no comando inteligência entre março e julho de 2009. O departamento é responsável pela inteligência da corporação. Cícero Monteiro foi um dos policiais responsáveis pela Operação Aquarela, ação de 2007 que desbaratou esquema de desvios de recursos de contratos do Banco de Brasília com prestadores de serviço. Em depoimento prestado ao Ministério Público na segunda-feira 1º de março, Cícero Monteiro afirmou, entre outras coisas:

  Reprodução
Cícero afirma que, reunião na residência oficial de Águas Claras, Arruda reclama do fato de a casa de um parente morador de bairro nobre da capital do país ter sido alvo de busca e apreensão durante ação policial que investigava irregularidades na área de informática
  Reprodução
Diz que Arruda pergunta sobre o policial aposentado Marcelo Toledo, apontado como um dos operadores do mensalão do DEM, era alvo da Operação Tucunaré, apuração da Polícia Civil – e depois assumida pela Polícia Federal – contra esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas


4) Marco Aurélio de Souza
O delegado Marco Aurélio de Souza foi diretor da Divisão Especial de Combate a Crimes contra a Administração Pública de março de 2008 a julho de 2009. Ele o chefe dos delegados que comandaram as principais investigações policiais sobre corrupção no governo do Distrito Federal. Na segunda-feira 1º de março, Marco Aurélio prestou um depoimento ao Ministério Público de Brasília sobre o dossiê apreendido pela Polícia Federal com registros de esquemas de corrupção, intitulado “Anotações Pertinentes”. Confira os trechos mais relevantes:

  Reprodução
O delegado afirma que relatório do Coaf – o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão do Ministério da Fazenda que rastreia lavagem de dinheiro – apurou movimentações suspeitas vindas do exterior para uma empresa em que o ex-secretário de Comunicação Weligton Moraes é sócio
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Marco Aurélio diz que as referências no dossiê a sub-secretários ligados ao ex-vice-governador Paulo Octávio fazem parte da Operação Tellus, que desde dezembro de 2008 faz interceptações telefônicas de assessores de Paulo Octávio

  Reprodução
Explica que o dossiê se refere a contratos de empresas de informática com o GDF, investigados pela operação Terabyte e que resultaram em três inquéritos policiais. Diz que há suspeitas de fraude
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Conta que o governador Arruda queria saber se Marcelo Toledo – apontado como um dos homens da mala da corrupção em Brasília – estava sendo investigado na Operação Tucunaré. Diz que Toledo havia caído em algumas interceptações telefônicas
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Afirma que foi afastado da diretoria policial por não ter informado o governador sobre a Operação Terabyte. Não descarta vazamento de informações por policiais para a confecção pelo delegado aposentado Celso Ferro do dossiê “Anotações Pertinentes”

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