Eterno lutador, Doni ignora fracassos nos testes de criança e chega à Copa
Goleiro só começou a carreira na posição aos 16 anos, após muita insistência do pai. Jornal Nacional exibe série sobre convocados
Na década de 70, a moda em Jundiaí, cidade do interior de São Paulo, era batizar as crianças com nomes diferentes. Dona Rose, seguindo o conselho da irmã, decidiu que seu filho seria uma mistura de Donizete com Cléber. Naquele 22 do outubro de 1979 nasceria Doniéber Alexander Marangon.
Antônio, pai de Doni, logo tratou de arrumar um apelido carinhoso para o menino. O goleiro jura de pés juntos que não tem problema algum com o nome.
- Minha mãe gosta de falar que eu não gosto. É um pouco complicado, pois é um nome diferente. Acabei sofrendo na escola porque na turma ninguém entendia. Acabaram dividindo e inventando apelidos, que ficava mais fácil. Gosto muito do meu nome. É mais para os momentos de descontração em casa, que acabo pegando na veia dela dizendo que ela escolheu um nome complicado, que ninguém consegue falar. Mas eu gosto e não tenho problema algum com isso - explicou Doni.
- Não queria mais José ou Antônio. A moda na época era ser diferente. Depois de tanta confusão, de tantos nomes que apareceram, chegamos a conclusão de colocar Donieber. Minha irmã pegou Doni de Donizete e Eber de Cleber. Essa mistura de "dois em um" valeu, e fez com que ele crescesse um pouco mais - disse a mãe do goleiro, Rose.
Trinta anos mais tarde, Doni defende as cores da seleção brasileira na Copa do Mundo da África do Sul. O goleiro é o 18ª personagem da série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os 23 convocados pelo técnico Dunga.
Doni foi um menino extrovertido, inquieto e apaixonado pelo futebol. Seu amor pelo Corinthians aparecia nos cadernos da escola, nas camisas e na porta do quarto.
- Eu fui um torcedor fanático pelo Corinthians. Quando criança eu torcia muito. Dentro da família, meus primos eram todos palmeirenses, então tinha essa rivalidade. Eu tinha fotos coladas atrás da porta. Era o típico torcedor fanático, aquela criança que gostava muito mesmo de torcer. Meu pai apoiava bastante o Corinthians. Lembro que queria tudo sobre o Corinthians. Os cadernos da escola tinham adesivos colados.
O fanatismo pelo Timão só não era maior do que a sua teimosia. Dona Rose garante que foi graças à excentricidade do registro de nascimento que o menino alcançou seus 1,94m. A altura sempre foi um problema para o goleiro.
- Desde a época de escola eu era o último em tudo. Não podia ficar na frente de ninguém porque atrapalhava. Na minha adolescência tinha até um pouco de problemas com isso e acabei comentando com meus pais na época: "Vamos para o médico tomar um remedinho para parar de crescer". Ainda bem que eles não fizeram isso porque a altura ajuda muito.
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Aos nove anos, Doni decidiu que a bicicleta que tinha não era mais apropriada, e pediu uma nova para o pai como presente de natal. Como o dinheiro era curto, seu Antônio tentou enrolar o menino, e acabou se dando mal.
- Quando queria uma coisa que parecia impossível ele insistia muito e não dava moleza. Aos nove anos ele queria uma bicicleta grande, pois a dele era pequena. Aí eu falei para ele que compraria no Natal. Mas chegou e eu falei que a situação não estava boa, e pedi para mudarmos a data para 30 de fevereiro. Ele não se tocou. Daí passou o Natal, a virada do ano e o final de fevereiro foi se aproximando e ele descobriu que não existia 30 de fevereiro. No mesmo dia eu tive que sair e comprar uma bicicleta para ele - contou o pai.
Foi a insistência que fez com que Doni conseguisse se tornar um goleiro profissional. Mas fazer com que ele abandonasse o meio-campo para ficar embaixo das traves foi uma tarefa das mais complicadas. Aos 12 anos o treinador da escolinha municipal o colocou no gol, mas aos 14 o menino deixou as luvas de lado e voltou a tentar a sorte como meia. Quando decidiu tentar a sorte como profissional, o pai precisou usar sua autoridade para colocar o menino no seu devido lugar.
- Foi muito difícil colocar uma coisa na cabeça dele quando na verdade ele queria outra. Nas peladas ele sempre queria ser jogador de meio. Mas eu vi que ele tinha o dom para ser goleiro, e não, um jogador de linha. Aos 16 anos, ele disse que queria fazer teste para algum time. Eu disse que no gol, tudo bem. Ele disse que "no gol não iria". Demorei uns dois meses para conseguir convencê-lo. Não foi fácil. Um goleiro tem que começar entre 12 e 13 anos com um treinamento específico. Agora, aos 16 anos ele vai entrar em uma categoria na qual o pessoal já está lá em cima. A luta foi muito grande - disse seu Antônio.
Para ajudar o filho, seu Antônio contratou um treinador de goleiro particular. Era preciso recuperar o tempo perdido. Missão para Chibarro!
- Tudo começou com ele. Eu treinava meio período no clube e ficava mais um período com o treinador de goleiros. O Chibarro me ajudou muito na parte técnica. Foi um cara muito importante, que me ajudou bastante - lembra Doni.

- Senti que ele tinha altura, mas a mobilidade era pouca, a coordenação motora era pouca. Falei que valia a pena investir, mas com paciência, fazendo um trabalho progressivo. Ele ralou bastante, mas valeu a pena. Ele venceu e a gente fica feliz por isso - completou Chibarro.
O goleiro lutou muito para conseguir virar um jogador profissional. Foram muitos testes em dezenas de clubes pelo Brasil.
- Fiz vários testes. Fiz testes no Paulista de Jundiaí, onde fiquei por seis meses, Guarani, Santos, Mogi Mirim, Rio Branco de Americana, onde também fiquei por seis meses e fui parar no Ferroviário onde as coisas começaram a dar certo. Joguei lá por um ano, nos juniores, e fui para o Botafogo de Ribeirão Preto. É complicado, e como vários jogadores, batalhei muito no começo.
Já sonhando com o futuro, Doni ensaiava dar autógrafos e assinar os primeiros contratos profissionais. Brincadeira de criança.
- Quando a gente é moleque tem de tudo. Eram sonhos, e graças a Deus, muitos desses eu estou conseguindo realizar. Autógrafo, graças a Deus, tem um monte de gente esperando. Hoje acaba até cansando a mão, mas naquela época era gostoso ensaiar um pouquinho - lembra Doni.
- Desde criança nós o pegávamos brincando de escrever contratos com os clubes grandes. Ele mesmo escrevia os contratos para brincar. Ele colocava: "estou sendo vendido de tal clube para tal clube". O sonho dele era muito grande - disse o pai Antônio.
A grande chance de Doni na seleção foi na Copa América de 2007. Com Julio Cesar machucado, o goleiro virou titular. E não decepcionou.
- Tentei dar o máximo nos treinos e tive a oportunidade de jogar uma Copa América, que foi uma competição com muitas pressões, difícil e que acabou sendo muito importante na minha vida. Acabamos campeões e acho que foi um bom passo para garantir a convocação para a Copa do Mundo - disse Doni.
Na semifinal contra o Uruguai, o goleiro foi decisivo. A partida foi para a disputa de pênaltis e Doni salvou o Brasil da eliminação.
- A bomba estava na mão dele. Era pegar ou largar. Ele pegou. Graças a Deus ele pegou. Na hora do pênalti foi um desespero, que desespero - disse Dona Rose, que sofre por ser mãe de um goleiro.
- Eu sou uma mulher das mais sofredoras que existe no mundo. Ser mãe de goleiro é sofrimento demais. Quando a bola vai para o lado deles, tudo desaba, o sofrimento, o desespero e o medo de ele não pegar... É complicado. Se a bola não vai até ele, ele não aparece. Se vai e passa, pronto: é culpado. É uma situação realmente difícil. Não é fácil ser mãe de goleiro! O que a gente faz é rezar muito, não é? Tem outra opção? - completou.
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