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terça-feira, 1 de junho de 2010

Assim como a pipa da infância, Thiago Silva alça voos altos na seleção

Zagueiro viveu drama na Rússia e ficou quatro meses internado em um hospital. Jornal Nacional exibe série sobre convocados para a Copa

Por GLOBOESPORTE.COM Direto de Joanesburgo, África do Sul


memória de craque Thiago SilvaMemória de craque: Thiago Silva
(Foto: Editoria de Arte / GLOBOESPORTE.COM)

Debicar, tentear e dar de fundo. Esses três termos são comuns na linguagem da garotada que gosta de soltar pipa pelas ruas do Brasil. Cortar a linha de um amigo e vencer o duelo nos céus de Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, eram situações comuns na vida de Thiago Silva. Mas essa rotina já não é mais mesma. As vitórias agora acontecem nos gramados do mundo.

Criado com pipa e bola, Thiago Silva não abandonou as raízes. É só ter uns dias livres para correr para o Brasil e relembrar os velhos tempos. Companhia não falta ao zagueiro do Milan.

- Sempre que estou de férias, um dia precisa sobrar para eu soltar a minha pipa. Sempre estou com o Júnior César e com o Luiz Alberto. Eles também gostam disso. Era um menino levado, que não saia da rua, sempre atrás de bola e de pipa. Vejo que valeu muito a pena aquelas fugidas de casa - lembra.

Thiago Silva precisava fugir de casa para brincar. Como era pequeno e vivia em um bairro perigoso, ele era proíbido de sair para a rua sem a companhia de um adulto. A casa ficava a mais ou menos 100 metros da entrada de uma favela. E toda a semana policiais armados e bandidos circulavam pela redondeza. Era comum escutar tiros. Mas o zagueiro sempre arrumava um jeito.

- Não tinha ninguém para me olhar para ir para a rua. A minha mãe tirava um cochilo depois do almoço. E eu já pulava o muro porque o portão estava fechado e, antes de ela acordar, eu voltava e ficava em cima do muro. Foi uma fugida que valeu a pena.

Thiago Silva é o 17ª personagem da série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os 23 convocados pelo técnico Dunga para a Copa do Mundo de 2010.

ARQUIVO PESSOAL
FRAME Thiago Silva nos juniores
Thiago Silva nos juniores
Thiago Silva e a esposa grávida
Thiago Silva com a esposa Isabela, que estava grávida
Thiago Silva nascimento do filho
No nascimento do filho Isago
Thiago Silva e Ronaldinho Gaúcho
Trio brasileiro no Milan: Ronaldinho, Thiago Silva e Pato

Thiago não teve uma infância tranqüila. Como o próprio jogador diz, não passou fome, mas não tinha regalias. Sendo o caçula da casa, uma palmada do irmão mais velho, Erivelton, servia para colocar o garoto na linha novamente. O básico para sobreviver não faltava à família Silva. Tanto que o prato predileto do atual defensor da seleção brasileira surgiu em seus tempos de menino.

- Nunca deixei de ter algo para comer. Sempre tinha um arroz, feijão e ovo. E até hoje sou fã desse prato – contou o jogador.

O padrinho Niro lembra bem como era difícil manter Thiago Silva em casa. O sobrinho era elétrico e não parava quieto. Soltar pipa era uma paixão quase tão grande quanto o futebol.

- Meu receio era só ele correr atrás de pipa. Soltar podia. Mas queria que ele saisse correndo atrás. Podia se machucar. Ele entrava dentro do mato para pegar a pipa e voltava com o dedo cortado.

A pipa atualmente virou hobby. Um forma de esquecer um pouco a vida agitada do futebol e relaxar junto com os amigos.

- Ele enche o carro de pipa e leva para onde a gente morava para soltar. Leva para a galera toda. Compra umas 10, 15, pelo menos. Lá os amigos todos o chamam de “rato” por causa do dente. Ele era meio dentuço. Chega lá, é Rato. Todo mundo quer ir soltar pipa com ele.

A maioria do pessoal lá de casa era Vasco, inclusive o meu irmão. Mas o time do Vasco não chegava nunca às finais. Uma vez eu vi o meu irmão chorando por causa de uma derrota e, em seguida, fui ver um jogo do Fluminense. Acabei mudando "
Thiago Silva

Só uma coisa fazia (e faz) Thiago Silva esquecer a paixão pela pipa. O futebol. Na infância, ele só queria ganhar um presente.

- Ele dormia com a bola agarrada. Presente era bola, não queria mais nada. Era tudo bola, bola, bola. Chegava a noite e a gente tinha que ir lá tirar a bola dele para ele dormir. Sempre falei para ele que ia longe - disse a irmã Danila.

Thiago Silva gostava de jogar bola em um campinho cheio de buraco e pedra em Campo Grande.

- Não tinha nada no campinho. Era só areia e baliza. Era bem pequeno. Ele tinha mais qualidade que os outros. Então, por isso, ele apanhava muito (risos) - lembra o amigo Gilberto, que ficava preocupado com o futuro de Thiago Silva.

- Ele não saia das peladas. Falava para os pais dele que ele jogava muito. Treinava no clube e depois vinha jogar a pelada. Ele tinha que ser preservado. Porque senão poderia se machucar.

Caçula da família Silva, Thiago jura que não foi mimado quando criança. Segundo o jogador, a mãe, Ângela, sempre deu duas opções: tentar a carreira de jogador ou trabalhar para ajudar em casa. Disposto a vencer como atleta profissional, ele preferiu realizar testes nos principais clubes do Rio de Janeiro, entre eles o Flamengo.

E foi justamente em uma peneira em Vargem Pequena que o jogador quase desistiu de seguir a carreira. Thiago Silva revelou que sequer foi analisado pelos profissionais do clube rubro-negro e, por pouco, não deixou o sonho de lado para ajudar o irmão Erivelton, que trabalhava com transporte alternativo.

- Fiz um teste no Flamengo e o pessoal ficou de costas para o campo. Quando eu voltei para casa, eu disse que não queria mais ser jogador. Meu irmão e minha mãe falaram para eu seguir tentando ou buscar um emprego. Não tive dúvida de seguir tentando a carreira de jogador (risos) – afirmou o jogador.

O curioso é que Thiago Silva era torcedor do Vasco na infância. Mas a falta de títulos da equipe de São Januário o fez mudar de lado. O gol de barriga, marcado por Renato Gaúcho, na final do Campeonato Carioca de 95, na vitória do Fluminense por 3 a 2 sobre o Flamengo, no Maracanã, sacramentou a paixão do jogador.

- A maioria do pessoal lá de casa era Vasco, inclusive o meu irmão. Mas o time do Vasco não chegava nunca às finais. Uma vez eu vi o meu irmão chorando por causa de uma derrota e, em seguida, fui ver um jogo do Fluminense. Acabei mudando – contou.

Thiago Silva no FluminenseThiago Silva no Fluminense (Foto: Fotocom.net)

Mesmo agradecido ao esforço do irmão, que sempre o ajudou, Thiago não poupou Erivelton de história da bola. Segundo o zagueiro, o mais velho da família Silva não tinha intimidade nenhuma dentro de campo.

- Estávamos jogando uma pelada em frente de casa e ele foi jogar. Logo no primeiro lance, ele chutou de bico e furou a bola, acabando com o jogo. Depois disso, nunca mais ele ousou colocar o pé em um campo de futebol – brincou o jogador..

Em Xerém, Thiago Silva conquistou a sua primeira oportunidade. Não era fácil ir aos treinamentos do Tricolor. O jogador tinha aula na parte da manhã e era obrigado a pegar três conduções para chegar ao local das atividades do Fluminense. Mesmo com tanta dificuldade, o jogador jamais pensou em desistir depois que conseguiu chegar à equipe das Laranjeiras.

- Pegava um ônibus para ir até a Avenida Brasil e de lá eu pegava outro para Xerém. O difícil era acordar. Quando acordava eu tinha todo o gás para fazer a maratona. O clube nunca me ajudou nas passagens. Como eu saia do colégio, eu não pagava passagem porque estava uniforme. Lembro que eu chegava em casa e dormia – relembrou.

Thiago Silva chegou até os juniores do Fluminense. Mas acabou estreando nos profissionais pelo Juventude, onde se destacou no Campeonato Brasileiro de 2004. Logo se transferiu para o exterior para jogar pelo Porto, de Portugal. Um contrato de cinco anos. Mas foi pouco aproveitado. E sofreu com o frio. Teve problemas respiratórios. Em 2005 acabou emprestado ao Dínamo de Moscou. E na Rússia viveu o momento mais difícil da vida. Devido ao frio intenso, Thiago Silva teve tuberculose. Foram quatro meses internado.

- Estava no Porto, me sentia cansado, tossia, não tinha força para fazer os trabalhos. Estava com o Rubens Júnior e ele dizia que era saudade da família. Até que eu fui vendido para o Dínamo. Fomos fazer a pré-temporada em Portugal e quando fiz uma bateria de exames, eles constataram que eu estava com tuberculose. Fiquei sem treinar, só no quarto. Ficava isolado sem saber o que estava se passando. Só tomando remédio. Achei estranho. Cheguei a Rússia e fui direto para o hospital. A enfermeira falou que eu ia ficar quatro meses parado porque o meu pulmão estava tomado. Eu fui internado, contagiei os meus companheiros, contagiei a minha esposa. Foi uma fase complicada.

Thiago Silva no CTThiago Silva está com 25 anos (Foto: Fotocom.net)

A solidão do tratamento fez Thiago Silva quase entrar em depressão. Longe da família, dos amigos, em um país com uma cultura muito diferente. Sem conseguir se comunicar direito com as pessoas.

- O tratamento para você estar curado são seis meses. Fiquei os primeiros dois meses sem receber visita alguma, só a tradutora que levava algo para eu comer e informações da médica. Esses dois meses foram os mais difíceis da minha vida.

Dona Angela sofreu ao ver o estado do filho no hospital. Pensou que ele não sairia vivo dali.

- Vi o meu filho deitado no hospital em uma cama minúscula, em um cubículo. Pensei: "Meu Deus, meu filho não vai sair daqui nunca". Estava com o cabelo daquele tamanho (grande). A dor era muito grande. Só para quem viu mesmo. Tem que agradecer muito. Foi uma dor muito grande vê-lo naquela situação. Tinha dia que eu precisava sair de perto dele. Porque quando você está sozinho é mais fácil você chorar, você desabafar. O que ele passou eu não desejo para ninguém - lembra Dona Angela, mãe de Thiago Silva.

Thiago Silva conseguiu se recuperar e voltou ao Brasil em 2006, por empréstimo, para jogar no time do coração, o Fluminense. Rapidamente virou ídolo da torcida e ganhou o apelido de Monstro.

- Sou competitivo. Não gosto de perder, nem em par ou ímpar. Nem dois-toques em dias antes do jogo. Isso me ajuda até hoje. O fato de ser competitivo nessas atividades você chega dentro da partida se doando ao máximo.

A transferência para o Milan aconteceu no final de 2008. Foram sete meses apenas se adaptando ao país e treinando. O clube italiano já havia atingido o limite de jogadores sem passaporte da União Europeia e Thiago Silva precisava aguardar. Ficou com medo de ficar fora da seleção brasileira e perder a Copa do Mundo.

- Eu tinha medo de não voltar à seleção. Meu medo era grande, mas a minha consciiência estava tranqüila de ter escolhido o Milan.

A mudança deu certo. E Thiago Silva é um dos quatro zagueiros brasileira na Copa do Mundo.

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