Uma fera em campo, capitão Lúcio parece outra pessoa fora dele
Zagueiro tem estilo calmo e brincalhão com a família. Jornal Nacional exibe série especial com os 23 convocados de Dunga para o Mundial
Em campo, um jogador sério, de cara feia. Símbolo de raça e determinação, que não tem medo de encarar nenhum adversário. Mas o capitão da seleção brasileira se transforma quando tira a chuteira, troca de roupa e volta para casa. Parece outra pessoa. Um Lúcio pouco conhecido. O marido de Dione, o pai de Vitória, João Vitor e Valentina é uma pessoa calma, sorridente, que adora brincar.
- Em campo sempre encaro tudo com muita seriedade. Não deixo espaço para brincadeira. Mas dentro de casa, não. Quando passo da porta deixo o futebol, a luta, tudo lá para fora. Sempre fui mais tímido, mais tranquilo. Mais caladão – disse Lúcio em entrevista ao repórter da TV Globo Tino Marcos.
Se nas quatro linhas Lúcio assusta os atacantes com seus 1,89m e 88 quilos e o temperamento forte, fora delas o zagueiro é uma pessoa afetiva.

- Já passei por momentos difíceis em que pensei largar o clube, a seleção. Em momentos assim (de críticas) eu sofro. Eu também tenho coração, tenho sentimento. Já chorei bastante. São momentos que machucam. Ninguém costa de passar, mas faz parte da nossa carreira.
Lúcio é o nono personagem de uma série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os 23 convocados por Dunga para a Copa do Mundo. Ou melhor, Lucimar da Silva Ferreira.
- Mudaram o nome agora, mas para mim continua sendo Lucimar – disse Maria Olindina da Silva, que trabalhava como camareira quando escolheu o nome do filho.

(Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
- Trabalhava na escola Fazendária. E lá sempre chegavam pessoas de fora. Achei bonito esse nome. Não me arrependi.
Mas quando chegou ao Internacional, o zagueiro começou a sofrer com as brincadeiras dos companheiros. Lucimar saiu de campo. E Lúcio começou uma carreira de sucesso.
- O pessoal lá no Sul dizia que Lucimar era nome de mulher. Ele ficava lá na dele, quietinho, não respondia a ninguém. Então resolveu trocar – completa Dona Olindina.
Lúcio prefere dar uma outra versão para a história.
- A mudança aconteceu no Internacional. O Guto Ferreira era treinador e veio falar comigo. Ele disse que não dava para gritar na beira do campo “Lucimar, tira a bola” ou “Lucimar sai daí”. Aí no dia seguinte ele veio com essa história de Lúcio. E todo mundo passou me chamar assim. Até porque estava há só um mês no Inter. Desde 1997 só me chamam de Lúcio. Você acaba se acostumando. Quando me chamam de Lucimar agora parece estranho.
A mãe não se acostumou com o “novo nome” que o filho carrega nas costas dos uniformes. Após 13 anos, prefere continuar chamando-o pelo nome de batismo.
- Falo com ela. Mãe, eu sou o Lúcio, não sou o Lucimar (risos). Mas não tem jeito. E minha esposa também, as vezes, para me cutucar me chama assim. As crianças quando querem pegar no meu pé fazem a mesma coisa (risos). Para mim hoje até soa estranho – disse Lúcio.
![]() Lúcio ainda pequenino | ![]() Lúcio no colo da avó |
![]() Lúcio nos tempos de criança | ![]() Lúcio no colégio |
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Lúcio durante festa de aniversário | ![]() Lúcio com a camisa do Fluminense |
![]() Lúcio com os amigos | ![]() |
Lúcio ou Lucimar? Não para por aí. São várias as formas que o zagueiro é chamado por familiares e amigos. Em casa, era chamado de Dentão, Coelhão ou Pernalonga pelos irmãos Luciano e Leandro. Tudo por causa dos tempos para fora na infância.
- Não ficava bravo. Eu também descontava (risos).
Dos companheiros de futebol do Planaltina, clube do Distrito Federal em que iniciou a carreira, ganhou um apelido mais famoso, capaz de mostrar como era respeitado e chamava a atenção pelo estilo técnico de sair jogando: Baresi, um dos maiores zagueiros do futebol italiano.
- Todo mundo na cidade começou a me chamar assim também.
- O Baresi estava no auge naquela época. Mas agora o Lúcio joga mais do que o Baresi (risos) – brinca o técnico Zé Vasco, que comandou o zagueiro no Planaltina.
Já entre os amigos da Igreja...
- Chamavam o Lúcio de Pastor Lucimar – revela a mãe.
A religião entrou na vida do capitão da seleção por influência da família. Primeiro, Lúcio freqüentava a Igreja Católica ao lado de Dona Olindina. Depois, virou evangélico.
- Aquilo se encaixou muito bem na minha vida. Ajudaram no meu crescimento como homem, como pessoa, como atleta, como profissional. Foi como uma luva para mim.
No pouco tempo livre que tinha na adolescência, Lúcio procurava recolher alimentos e distribuir para os fieis da Igreja no fim de semana. Quando atuava pelo Planaltina e, posteriormente, pelo Guará, o jogador não perdia a missa após os jogos.
- Eu sempre chegava, pegava minha bicicletinha, colocava minha Bíblia debaixo do braço e ia pra igreja.
Lucio nunca bebeu, nunca fumou. Sempre se cuidou. Na adolescência, trabalhou entregando jornal. Acordava às 4h da madrugada. Pegava a bicicleta e saia para o batente. Não reclamava. Procurava superar a dificuldade observando um lado positivo. Encarava as pedaladas pela cidade como parte da preparação física necessária para ser um jogador de futebol.
- Fiz de tudo um pouco. Vendi picolé, entregava jornal, ajudava a minha mãe na venda de roupa. Sempre de manhã e à tarde ia montar e desmontar a barraca. Foi importante essa fase na minha vida para eu dar valor às coisas. Aprendi a dar valor às minhas coisas, ter a consciência de onde eu vim, ter a humildade, sempre o pé no chão. Sem dúvida isso foi importante na minha vida.
A rotina era puxada. Após entregar os jornais, Lúcio ia direto para o Planaltina treinar. Chegava por volta das 9h da manhã.
- Tinha um sonho. Mas não era uma ideia fixa ser jogador de futebol.
![]() Lúcio brinca com o filho | ![]() Lúcio com os filhos e a esposa |
![]() Lúcio bebê | ![]() Lúcio brinca com os amigos |
No começo, Lúcio queria ser atacante. Só com 14 anos se estabeleceu como zagueiro no Planaltina. Fez testes no Goiás, no Vila Nova, no Cruzeiro. Não passou.
- O pessoal disse que iria ligar e até hoje não fizeram contato (risos) Se no futebol a situação estava difícil, em casa também era complicada. Os pais do zagueiro se separaram.
- Separação quem sempre leva a culpa é o pai. Mas não ficamos sem se falar. A gente se falava por telefone. Quando deu ele foi me visitar – lembra Seu José Ferreira, pai do zagueiro.
Nesta época difícil época, um momento marcou a vida de Lúcio e da mãe. O jogador precisava de uma nova chuteira para entrar em campo. Pediu de presente ao pai um dia que foi visitá-lo. Recebeu a promessa de que ganharia, mas após dois dias voltou para a casa sem nada.
- Falei que precisava de uma chuteira. Mas ele não conseguiu me dar. E daí a minha mãe foi de uma coragem tremenda. Ela não tinha de onde tirar. Mas ela pegou um talão de cheque e conseguiu dar um pré-datado na loja e trouxe uma chuteira para mim. Sem saber como iria pagar – ressalta Lúcio.
- Ele chorou muito no shopping comigo. Ele tinha escolhido a chuteira e precisava jogar no sábado. Estava com a lágrima descendo pelo rosto. Tinha de 16 para 17 anos. E ficamos nós três chorando lá (o irmão Leandro também estava com os dois). Resolvi entrar na loja e perguntar se aceitavam um cheque pré-datado. E eles viram o garoto chorando e aceitaram. E no momento daquele sofrimento, ele olhou uma camisa da seleção na vitrine e me disse que um dia iria vestir aquela camisa. Como eu ralei para pagar aquela chuteira. Mas graças a Deus eu paguei e ele realizou o sonho – completou a mãe do zagueiro.
A grande chance de Lúcio aparecer no cenário nacional veio em 1997. Emprestado ao Guará, o zagueiro enfrentaria o Internacional pela Copa do Brasil. Ele tinha 19 anos. Mas a goleada por 7 a 0 do time gaúcho, no estádio Mané Garrincha, parecia ter jogado tudo por água abaixo. Parecia.
- Para a minha surpresa na semana seguinte eu estava me apresentando ao Inter. Não sei como, mas o presidente do Internacional, com um olho de águia, conseguiu me ver e me levou por empréstimo.
Convocação para Olimpíadas
A carreira de Lúcio, finalmente, começou a arrancar. Em 2000, foi convocado pelo técnico Vanderlei Luxemburgo para as Olimpíadas. Nas quartas de final, quando o Brasil perdeu para Camarões, Lúcio se irritou com o atacante Roger e lhe deu uma cabeçada.
- Estava o Roger lá. Cheirando a bola, demorando com a bola, fazendo carinho na bola. E nada. O Brasil perdendo, em cima da hora, era a chance. E aí aconteceu aquilo. Ali fiquei meio triste, mas o meu filho é raça mesmo. Ele teve que fazer aquilo para o Roger acordar – conta a mãe Maria.
Em campo, Lúcio sempre foi assim. Um guerreiro que luta até o fim pela vitória
- Ele fica com raiva de perder. Ele não gosta de perder – garante Dona Olindina.
Zé Vasco lembra como Lúcio, ainda adolescente, era sério e não gostava de brincadeira durante os treinos. Ficava bravo quando os companheiros não apareciam para treinar. O irmão Leandro também se recorda do temperamento difícil do zagueiro.
- A cara de mau tem desde de pequeno. Se você não faz as coisas certas ele fecha a cara, briga. Sempre foi esforçado. Ele sempre teve muita vontade e raça.
Em 2000, Lúcio foi negociado com o Bayer Leverkusen, da Alemanha. Nunca mais voltou para o futebol brasileiro. As portas na seleção brasileira se abriram com Luiz Felipe Scolari. O zagueiro, inclusive, lembra de uma história engraçada desta época.
- A seleção foi jogar no Nordeste e a minha mãe foi lá me ver. Aí o Felipão a chamou para conversar: E começou a falar: “Oh Dona Maria, veja se você conversa com o Lúcio. Ele tem que falar mais, ele tem que comandar mais aquela defesa, ele é tímido demais (risos)”. Aí minha mãe veio conversar comigo. Mas é o meu jeito. Sempre fui assim – conta Lúcio.

fotos do filho pelos clubes onde passou
Na Europa, o zagueiro ficou bem mais forte. Ganhou mais massa muscular. Chegou com 78kg. Atualmente está com 88kg. Para tentar amenizar a saudade do filho, Dona Olindina fez em casa um pequeno museu. Um cantinho da saudade. Lá é possível achar a primeira camisa que Lucio usou no Bayern de Munique. A faixa de campeão no juvenil do Planaltina. As chuteiras usadas pelo zagueiro nas Copas de 2002 e de 2006. Uma bola de um jogo no Mundial. Jornais, fotos, cartazes. Tudo o que se pode imaginar.
- A fama e o sucesso não atingiram a cabeça dele. Ele sempre procura ajudar os outros – garante a mãe coruja.
Depois da alegria com o penta em 2002, veio o fracasso na Copa de 2006. Lúcio foi um dos poucos jogadores da seleção a se salvar. Teve boas atuações, mostrou raça e estabeleceu um novo recorde de tempo sem cometer faltas em Mundiais: 386 minutos, três a mais que o alcançado pelo zagueiro paraguaio Gamarra na Copa de 1998. Ele só fez uma única
falta nas cinco partidas do Brasil na Copa, justamente na derrota para a França nas quartas de final.
- Em 2006 o time achava que resolveria na hora que queria e não é assim. Se você não trabalhar forte, não se prepara bem, não se concentra bem, você vai ter dificuldade nos jogos.
Mas no ano passado, um momento ímpar, de enorme alegria. Em um jogo dramático, Lúcio fez o gol do título da Copa das Confederações. Nos últimos minutos da partida. Ainda na comemoração, o zagueiro começou a chorar de emoção.
- Foi um momento muito importante para mim. Fui para a Copa das Confederações como capitão. E no decorrer da competição tive a convivência com os companheiros. Você via o empenho, o profissionalismo, a dedicação de cada um. E foi especial porque durante a competição tive problemas com o Bayern de Munique (acabou dispensado pelo clube alemão). Mas consegui me manter forte. E em uma final conseguir empatar um jogo depois de sair perdendo por 2 a 0. E aí eu vou e faço o gol. Veio tudo na hora... a emoção, a família.
Dona Olindina não conseguiu acompanhar a partida. Mas explodiu de emoção no momento do gol sobre os Estados Unidos.
- Fico nervosa, faço café, pipoca, um bolo, qualquer coisa na cozinha. Mas quando saiu o gol sai correndo. Ajoelhei, comecei a agradecer. Comecei a virar cambalhota, foi uma alegria muito grande. Poderia até ter quebrado pescoço sem saber.
Agora, o capitão sonha levantar outra taça. A do hexa.
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