Eterno agradecido, Elano quer pagar a 'dívida' que tem com a seleção
Meia teve na convocação de Dunga o ânimo necessário para superar as dificuldades da vida na Ucrânia. Jornal Nacional exibe série especial com os 23 jogadores convocados para a Copa

A convocação para a seleção brasileira normalmente vem no auge da carreira. Serve para premiar um momento especial vivido pelo jogador em seu clube. Mas com Elano teve mais gosto de recomeço. No frio de menos 15 graus da Ucrânia, o meia sofria, pensava até em abandonar o futebol. Não aguentava mais ver o sofrimento da esposa Alexandra e da filha Maria Teresa em casa. Estava desmotivado. Mas seu nome estava na primeira lista divulgada pelo técnico Dunga, em 2006, logo após a Copa do Mundo da Alemanha.
- Quando eu fui convocado, eu me olhei no espelho e me senti envergonhado. Porque eu estava no pior momento da minha carreira. Comecei a chorar – lembra Elano, que estava quase entrando em depressão.
- Eu não me sentia mais jogador de futebol. Eu me sentia um ex-atleta. Não tinha mais vontade de jogar, treinava chorando. Era menos 15 graus. Não conseguia mais treinar. Mas passou. Cresci como homem, com a família, como guerreiro. Só tenho a agradecer a minha esposa, que ficou sempre ao meu lado. Quando veio a convocação eu parei e comecei a pensar que não poderia agir assim, que não poderia desistir. Depois que eu voltei para a seleção eu recuperei o meu ânimo, eu retomei a minha carreira. A seleção me deu força novamente.
Sétimo personagem da série de reportagens do Jornal Nacional sobre os 23 convocados de Dunga para a seleção brasileira que vai disputar a Copa do Mundo, Elano é devoto de Nossa Senhora da Aparecida. E será sempre grato ao técnico Dunga pela oportunidade. Na época, ele estava esquecido na Ucrânia, onde defendia o Shakhtar Donetsk. Dois anos antes, o meia brilhava no Santos e era um dos principais jogadores em atividade no futebol brasileiro. Tinha mercado nos principais centros europeus. Mas aceitou a proposta de quatro anos de contrato pensando no futuro da família.
- Pensei muito no lado família. Tinha irmãs, tinha meu pai e minha mãe cortando cana. Naquele momento financeiramente para mim era muito importante. Eu ia dar uma vida para os meus pais, ia dar escola para as minhas irmãs. Então isso pesou muito. Era um contrato de quatro anos. Com todos os problemas que poderiam acontecer, com três anos eu saia. Mas realmente deu tudo errado. Era eu, minha esposa e minha filha. Foi muito difícil. Minha esposa ficou seis meses sem sair de casa. Sem sair mesmo. Não é força de expressão.
![]() Aniversário de dez anos de Elano | ![]() Na infância, Elano não largava a bola |
![]() Emoção no casamento com a esposa Alexandra | ![]() Elano ajuda projeto social |
![]() Brincadeiras com Diego na seleção brasileira | ![]() Campeão brasileiro com o Santos, em 2004 |
A família Blumer sempre soube superar as dificuldades. Elano nasceu em Iracemápolis, uma cidade do interior de São Paulo com cerca de 20 mil habitantes. E a principal fonte de renda dos moradores locais era o cultivo da cana. O pai Geraldo trabalhava no canavial. A mãe Maria Conceição também ajudava a cortar cana e nas entressafras arrumava dinheiro fazendo faxina. Tempos difíceis.
- Não passamos fome. Passamos vontade de comer coisa. Não faltava arroz, feijão e ovo. Mas não tinha luxo. A gente não tinha televisão, nada – lembra Geraldo.
Seu Geraldo, um profeta. Um homem de visão. Sonhava ver o filho ser jogador de futebol ainda quando Elano estava na barriga da mãe.
- Quando o Elano nasceu, meu marido falou “Nasceu o meu jogador de futebol” – conta Maria Conceição.

Até na hora de dar o nome ao filho, Seu Geraldo pensou no futebol. Queria algo não muito comum. A sugestão veio da esposa, que lia um pequeno livro de romance. O personagem principal se chamava Elano.
- Queria colocar um nome diferente porque tinha na cabeça que ia ser jogador. E jogador bom tinha nome diferente. Só ver... Romário, Sávio. Tinha isso dentro de mim.
Elano cresceu ao lado de uma bola. Amiga inseparável. O único problema era quando ele se empolgava nas brincadeiras.
- O que paguei de vidraça do vizinho. Nossa, senhora! Ele sempre chutava a bola com força lá na janela do Seu Arlindo. E sempre tinha uma desculpa (risos) – lembra o pai Geraldo.
- Fui muito levado, mas era amoroso também e escutava muito. Mas eu aprontei muito jogando futebol. Quebrei muita coisa na escola, em casa... os poucos móveis de casa... sempre pedi de presente uma bola de futebol – admite o jogador da seleção.
Aos sete anos, Elano passou a jogar no time de salão de um pequeno clube da cidade. Quando não ficava na companhia da bola ou estudando, ele ajudava o pai na roça. Até que um dia, o susto. Estava no alto de um velho caminhão de Seu Geraldo quando foi atingido por uma caixa de laranja.
- Tinha um cara lá que ajudava o meu pai que se chamava Chapolim. Tinha esse apelido porque ele era desastrado mesmo. Eu ficava em cima do caminhão ajudando. E o pessoal em baixo jogando as caixas. Aí o Chapolim jogou uma caixa de laranja e ela caiu em cima da minha perna. E eu com oito, nove anos comecei a chorar, lógico. O meu pai saiu gritando: “você é louco, rapaz. A única coisa que pode me dar dinheiro nessa vida é a perna do meu filho. Está louco?” (risos). Ele sempre acreditou em mim – lembra Elano.
Se na hora bateu o desespero, o pai Geraldo se diverte hoje em dia recordando a história.
- Sai gritando: “essa perna que vai me tirar desta vida desgraçada. Como você faz isso!”. Imagina se quebra a perna do menino. A gente estava nesta vida até hoje. Meu Deus... (risos).
Ismael, treinador do time da cidade em que Elano jogava, resolveu levá-lo para um teste no Guarani. Foi o empurrão necessário para a carreira do jogador.
- Ele (Ismael) me falou que queria me levar para fazer um teste em algum clube. E ele me levou para o Guarani. Cheguei lá e vi 600 caras para fazer o teste também. Queria ir embora. Foi assustador.
Mas Elano ficou. E passou. Começou a jogar no Guarani. Tinha 13 anos. No início, sofria para ir treinar todos os dias. Era uma verdadeira maratona.
- Fazia um trajeto muito longo. Pegava oito ônibus por dia. Era Iracemápolis até Limeira, de Limeira até Campinas, Depois até a rodoviária de Campinas e outro até o Brinco de Ouro. E a volta era igual. Mas na época não era cansativo. Era prazeroso. Ia atrás de um sonho. Mas hoje você para e pensa... nossa... era difícil mesmo.

Seu Geraldo procurava passar para o filho princípios para ser um homem de honra na vida. Se preocupava com a formação de Elano.
- Meu pai foi muito importante. Uma pessoa pobre, humilde, mas que me levava para a roça para me mostrar a realidade da vida. Ele me falava que não queria aquilo para a minha vida. Meu pai é um cara de muito caracter. Ele sustenta a palavra dele. E ele sempre me passou isso. Você tem que ser homem, tem que sustentar aquilo que fala.
Um dia, de folga no Guarani, Elano resolveu dormir até mais tarde em casa. Seu Geraldo, que tinha saído para trabalhar na roça às 4h da madrugada, chegou para almoçar e encontrou o filho ainda na cama. Resolveu chamá-lo e sair de novo.
- Ele me falou para acompanhá-lo que ele queria me mostrar um novo campo de futebol que tinha sido feito ali perto. Mas aí ele me levou para a roça. E me mostrou o caminhão dele cheio de cana. Ele me disse: “Está vendo aquele caminhão lá? Aquele caminhão lá é do pai. Você poderia ter treinado hoje, ter dado uma corridinha. Sei que é o seu dia de folga, mas você não tem nada, não é ninguém. Você tem sempre que trabalhar enquanto os outros descansam. Porque aí você vai chegar na frente dos outros. Está vendo aquele caminhão lá? Você escolhe. Ou você trabalha ou você vai ter aquela vida lá. Aquele caminhão é seu, está guardado para você. Porque é a única coisa que eu posso lhe dar”. Isso me fez refletir muito – lembra Elano.
Elano ficou cinco anos no Guarani. Passou a morar na concentração do clube, em Campinas. Via muito os treinos dos juniores. No time havia Luizão, Amoroso, Renato (futuro parceiro no Santos). Passou a se inspirar neles. E sonhava ser como um baixinho meio marrento.
- Eu brincava na infância falando “eu sou o Romário”. Na época ele estava em uma fase fantástica na seleção e nos clubes – lembra Elano, que sempre se imaginava como os ídolos.
- Imitava muita gente jogando bola. O Roberto Carlos... fazia aquele movimento dele na hora de cobrar faltas, aquela corridinha no mesmo lugar.
Mas o futuro de Elano no Guarani foi interrompido por causa de problemas com a diretoria. Resolveu sair antes mesmo de se profissionalizar.
- Meu pai foi humilhado por diretores no Guarani. Por isso que eu sai de lá. Fico chateado com o que aconteceu porque o Guarani foi muito importante na minha vida. Agora se eu não entrasse na Justiça e saísse do Guarani eu não seria hoje um jogador de futebol. Eu seria mais um cortador de cana – lembra Elano.
- Eu fui muito humilde e eles tentaram me humilhar. Mas o clube não merecia isso. Não foi o Guarani. Foi uma minoria que estava na época. O meu filho viveu cinco anos lá e foi muito bem tratado até então. Comia melhor lá do que em casa. O problema foi o pessoal que comandava o clube na época. Ser doutor é fácil, quero ver ser caipira – conta Seu Geraldo.
- Não vai ter dinheiro que pague o que o Guarani fez pelo Elano – completa Dona Maria Conceição.
![]() Elano jogando na Ucrânia pelo Shakhtar | ![]() Comemorando um gol pelo Manchester City |
![]() Alegria com a seleção brasileira | ![]() Chegada com status de ídolo no Galatasaray |
Do Guarani, Elano passou quatro meses no Inter de Limeira. Até que chegou ao Santos. Virou profissional no clube praiano junto com uma geração de ouro, que conquistou o título brasileiro de 2002. Mas, antes, precisou enfrentar uma fase difícil. A pressão era grande. Afinal, o clube enfrentava um jejum de 18 anos.
- A fase de 2000 e 2001 no Santos foi muito difícil. Faixa de cabeça para baixo, torcida brigando com o time. Você não tinha liberdade para fazer nada. Não podia sair, não podia ir a um restaurante.
Em quatro anos no clube santista, Elano construiu uma história gloriosa: atuou em 209 partidas, marcou 52 gols e conquistou dois importantes títulos, os Campeonatos Brasileiros de 2002 e 2004. A primeira convocação para a seleção brasileira veio em 2003. No entanto, o primeiro jogo do meia só aconteceu no dia 13 de outubro de 2004, no Estádio Rei Pelé, contra a Colômbia, em partida válida pelo pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2006. Elano entrou aos 13 minutos do segundo tempo, no lugar do volante Magrão.
- Nunca fui um destaque maior (dos times). Mesmo na infância. Sempre fazia parte do grupo que se destacava. Na escola também. Mas nunca fui o astro principal. Mas sempre consegui aparecer nos momentos importantes.
Elano não foi para a Copa do Mundo de 2006. Mas ganhou uma chance com a chegada de Dunga. Foi titular dos oito primeiros jogos do treinador com a seleção brasileira.
- Ali eu consegui entender em tão pouco tempo o que o Dunga queria para a seleção. Isso foi importante para mim nesta caminhada.

As dificuldades da vida ficaram no passado. Em Iracemápolis, Elano resolveu construir o único hotel da cidade. Inaugurado em 2007, tem dois andares. Na parte inferior, fica uma sala de reunião, uma grande recepção, lavanderia, cozinha e as dependências dos funcionários. No segundo andar, os 13 quartos. Todos com TV, ar-condicionado e acesso à Internet. O nome não deixa dúvida do dono: Elano’s Hotel
- A ideia do hotel surgiu com o meu pai. Eu dei apoio. Como praticamente vivo em hotéis por causa das concentrações, eu escolhi tudo. Tudo tem o meu dedo. Os quartos, a decoração... Até os locais das tomadas do quarto – disse Elano, que precisa aturar as brincadeiras dos companheiros de seleção brasileira.
- O Kaká e o Robinho me perturbam falando que o meu hotel só tem um banheiro, que a televisão só tem duas polegadas. Mas é tudo suíte (risos).
A foto de Elano está na porta. Recepciona os hospedes. Mas quem manda ali é a mãe Maria. Ela cuida da cozinha.
- O Elano não quer que eu trabalhe mais. Mas não consigo ter essa vida de madame. Acordo as 7h para trabalhar aqui na cozinha e vou até as 19h. Ele adora a comidinha da mama. O meu feijão, então... Ele sente falta da minha comida.

Após a emoção com a convocação, Dona Maria está com as passagens compradas para assistir ao Mundial na África do Sul. Ao lado das duas irmãs de Elano, da nora, das netas e do genro, vai ver de perto as duas primeiras partidas do Brasil - contra a Coreia do Norte (dia 15 de junho) e Costa do Marfim (20 de junho). Seu Geraldo vai ficar em Iracemápolis mesmo. Tem medo de avião. Nunca foi visitar o filho na Europa.
O filho que ganhou o mundo sonha com o dia que vai voltar para casa. Elano já decidiu que quer voltar a morar no interior.
- Tenho amigos em São Paulo, Santos, Maresias, Rio de Janeiro, Inglaterra, Turquia, tenho amigos em todos os lugares. Vou morar no interior e frequentar a casa de todo mundo (risos) - planeja.
Enquanto isso, Elano adora ouvir música sertaneja para não esquecer as raízes. No carro que dirige na Turquia, onde atualmente defende o Galatasaray, uma canção que lembra as raízes e também serve de inspiração para a Copa do Mundo. Uma parceria entre Pelé, o Rei do Futebol, e Edson Cadorini: “Hoje eu acordei, me levantei e gritei para o mundo inteiro ouvir / Sou brasileiro, sou brasileiro, sou brasileiro! / Futebol, Carnaval e rodeio / Mulher bonita o ano inteiro / Sou brasileiro, sou brasileiro, sou brasileiro!".
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