Do batizado para o Maracanã, Juan virou o zagueiro-arte da seleção
Jogador não esconde o coração rubro-negro e o estilo caladão. Série do Jornal Nacional mostra o perfil dos 23 convocados para a Copa de 2010

Na era do profissionalismo no futebol, Juan não tem medo ou receio de abrir o jogo e revelar o clube do coração em alto e bom som.
- Sou Flamengo, todo mundo sabe.
A paixão pelo clube carioca nasceu cedo. Antes mesmo de dar os primeiros chutes ou entender muito bem o futebol. Tudo por influência do pai, Roberto, que fez questão de fazer do filho uma testemunha do momento mais importante da história rubro-negra.
- O acordei com dois anos para ver a final entre Flamengo e Liverpool – revela Seu Roberto.
- Ele me acordou de madrugada. Meu pai foi quem me ensinou a ser rubro-negro. Era ele que me levava para os estádios, me fez gostar do futebol – completa Juan.
Mas o batismo na vida e na bola aconteceu mesmo um ano depois. Da igreja direto para o estádio símbolo do futebol brasileiro.
- Ele saiu do batizado para ir para o Maracanã. Era um Flamengo e América (pelo Campeonato Carioca) – lembra Dona Valdeci, mãe de Juan.
No país do futebol-arte, Juan é o principal representante da “marcação-arte”. De poucas faltas, de desarmes precisos, de uma habilidade acima da média para a posição. Chutão não faz parte do dicionário deste zagueiro de 31 anos, o 12º personagem da série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os 23 jogadores convocados pelo técnico Dunga para disputar a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul.
![]() Juan, ainda garoto, nas divisões de base do Flamengo | ![]() No time mirim do Flamengo |
![]() Com o amigo Julio Cesar na seleção brasileira sub-17 | ![]() No futsal do Grajaú, novamente ao lado de Julio Cesar |
Ao contrário da maioria dos companheiros de seleção brasileira, Juan teve uma infância tranquila. Sem luxo, mas também sem passar necessidade. Nascido e criado no Humaitá, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, encontrou no futebol um grande passatempo. Dos seis aos 17 anos, estudou apenas no Colégio Pedro II. Lá não aprendeu apenas a ler e a escrever. Aprendeu também o ABCD da bola.
- Foi onde estudei por toda a minha vida. Minha formação foi toda lá. Estudava de manhã e à tarde ficava lá jogando bola – lembra o jogador.
A mãe era merendeira do colégio. E Juan ficava na quadra esperando Dona Valdeci deixar o serviço para voltarem juntos para casa.
- Ele é um orgulho para a gente aqui no colégio. Foi na quadra daqui que ele aprendeu a jogar bola – lembra a inspetora Irani, que acompanhou todo o crescimento do zagueiro.

Juan era um bom aluno. Nunca repetiu de ano, nem ficou em recuperação. O zagueiro só não gostava de um certo som tão comum no colégio. Aula de flauta, uma tradição no Pedro II. Desespero para quem só pensava em correr atrás de uma bola.
- Tinha aula de música, tinha que tocar flauta. Todo menino não gosta muito disso. Encarava porque tinha que encarar. Tocava mal demais. Não tem nada a ver comigo (risos).
Logo a paixão pelo futebol foi ficando mais séria. Juan entrou em uma escolinha aos dez anos. No Flamengo, lógico.
- Ele era da escolinha do Flamengo no campinho de terra. Do estilo pagou, jogou – lembra Roberto.
- Na escolinha ele já se sentia jogador. Falava que era o Aldair. Cortou o cabelo até igual a ele – revela a mãe, Valdeci.
Juan jogava como meia. Só recuou quando resolveu participar de um torneio pelo clube e havia uma vaga de zagueiro. Aceitou e nunca mais saiu da posição. Certo dia soube de um teste para jogar nas divisões de base. Resolveu arriscar.
- Havia muitos meninos. Ele entrou, ficou só dez minutos e saiu. Aí depois veio o professor falando que ele tinha passado no teste. Ele ficou todo feliz porque começaria a jogar no campo de grama – recorda Valdeci.
- Sempre fui rubro-negro, e jogar lá, colocar a camisa, foi sempre muito legal. Claro que não tinha noção do que iria acontecer depois. Para mim já era o suficiente – disse Juan.
A rotina era cansativa. Fominha, Juan jogava futebol de campo e salão ao mesmo tempo. Primeiro no Flamengo, depois no Grajaú Country Clube. Pouco jogou na rua. Foi um jogador de escola e clube. Muitas vezes, o cansaço chegava, e ele dormia no ônibus mesmo. Mas foi graças a isso que o zagueiro conheceu um dos seus grandes amigos.
A amizade com o goleiro Julio Cesar vem de longa dada. Desde 1989, quando jogavam juntos no Grajaú Country Clube. A caminhada e o sucesso no futebol aconteceram praticamente de maneira simultânea para a dupla. Jogaram juntos no Flamengo, nas seleções sub-17, sub-20 e, agora, principal.
- O Juan era garoto e vinha muito aqui em casa. Só me chamava de tia – lembra Dona Fátima, mãe de Julio Cesar.
Tudo aconteceu muito rápido para Juan, que virou profissional aos 17 anos. Mas ainda encontrava uma certa desconfiança em casa.
- Tem muitos pais que acham que filho joga muito. Eu, sinceramente, nunca achei isso. Eu nunca achei que ele jogava muito – garante o pai, Roberto, que foi motorista por cerca de 30 anos e trabalhava fazendo frete pelo Rio de Janeiro.
- Só vi que ele jogava mesmo futebol quando teve um jogo contra o Vasco e ele decidiu. Aí pensei "Ele joga bola mesmo". Sempre fui muito crítico. Mas vê-lo no Flamengo foi o máximo.
![]() Juan com a camisa 4 da seleção brasileira | ![]() Comemorando um gol pelo Flamengo, clube do coração |
![]() Sucesso na Alemanha pelo Bayer de Leverkusen | ![]() No Roma, da Itália, seguindo os passos do ídolo Aldair |
Humilde, calmo e sisudo. A seriedade de Juan nos treinamentos e até mesmo nas mais descontraídas entrevistas é uma marca registrada. Há pouco espaço para brincadeiras. No início de carreira no Flamengo, ele sofria com o amigo Beto, de quem ganhou o apelido de “Patolino sem Bico”, uma referência ao famoso personagem de desenho.
- Ele é a mesma coisa em casa. É calado. Ele não grita, não xinga, nada – disse a mãe.
- Já fui a Roma visitá-lo e o acompanhei um dia no treino. Era longe. E fomos e voltamos sem ele falar uma palavra (risos) – completa o pai.
Um homem de poucas palavras, mas com um futebol de enorme repertório. Capaz de inventar um carrinho de letra para desarmar um adversário. Foi no último amistoso da seleção brasileira, contra a Irlanda, em março, em Londres.
- Até brinquei depois com o pessoal. Cada um improvisa naquilo que é forte. Pessoal lá da frente consegue dar dribles sensacionais, fazer gols espetaculares. Eu sou forte dando carrinho. E de vez em quando tenho que improvisar um carrinho mais bonito. Até para divulgar um pouco o futebol.

de Juan cheio de momentos marcantes da carreira
O lance que encantou vinha sendo treinado pelo brasileiro no Roma, clube italiano que defende desde 2007. Juan representa bem o zagueiro clássico, que atua de cabeça erguida, é seguro na defesa e sabe sair para o ataque.
- Zagueiro sempre sofre. Tem que marcar os melhores atacantes do mundo. Se faz uma falta, já caem em cima. Então tem que fazer uma coisa diferente para mostrar que sabe jogar também (risos) – disse.
Juan valoriza as gostas simples. Gosta de jogar botão e assistir a filmes. Curte ficar em casa com a esposa, Monick, e o filho, João Lucas.
- Sempre fui calmo, quieto. Em casa, no Rio, gosto de estar com os amigos na praia.
Foram seis anos no Flamengo e sete títulos importantes no currículo. Em 2002, Juan foi para a Alemanha. Defendeu o Bayer Leverkusen. Agora está no Roma. Fez a sua estreia pela seleção brasileira em 2001, quando tinha apenas 22 anos, e desde 2004 é titular absoluto da equipe. Já disputou 75 jogos com a camisa canarinho, marcou sete gols e conquistou quatro títulos – Copa América de 2004 e 2007 e Copa das Confederações de 2005 e 2009. Falta agora a Copa do Mundo.
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